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Atualizado em 02/08/2023

Formação de professores na teoria histórico-crítica de Saviani: o problema abordado

Descubra como a teoria histórico-crítica de Saviani aborda a formação de professores e quais os principais desafios que envolvem esse processo. Domine um dos modelos mais importantes de ensino e contribua para a educação de qualidade. Seja um professor mais competente!

O texto “As Teorias da Educação e o Problema da Marginalidade”, do livro Escola e Democracia de Dermeval Saviani, analisa as teorias mais importantes da educação que foram construídas historicamente e que tentam explicar o problema da marginalidade social a partir do âmbito educativo. De um lado, compõe-se o grupo das teorias que atribuem à educação a função de auxiliar na solução dos problemas sociais, contribuindo para superar as patologias da sociedade e, de outro, os que dizem o oposto, isto é, discriminam a educação como um dos fatores responsáveis pela marginalização social. Dessa forma, se dividem ambas as concepções, a primeira, enfocando um viés não-crítico para a educação, ou seja, concebe a prática pedagógica como redentora da humanidade e instrumento de salvação para os seus desvios, enquanto a segunda preconiza uma posição que coloca a teoria educacional numa dimensão crítica voltada para o questionamento do instituído.

No primeiro grupo, Saviani classifica as teorias não-críticas como a pedagogia tradicional, a pedagogia nova e a pedagogia tecnicista e, no outro, as teorias progressistas crítico-reprodutivistas, que se subdividem em teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, teoria da escola enquanto aparelho ideológico de estado (AIE) e teoria da escola dualista. Por último, propõe uma teoria crítica da educação.

Saviani analisa brevemente no texto algumas características específicas das teorias educacionais, afirmando que a teoria tradicional surge historicamente com o interesse de superar o Antigo Regime. Baseado nas conquistas da Revolução Francesa propõe a universalização do ensino para retirar os indivíduos da condição inferior de súditos e transformá-los em cidadãos esclarecidos. Nesse contexto, a marginalidade é entendida enquanto um fenômeno derivado do déficit intelectual ocasionado pela ausência de instrução. A escola é o remédio para este mal, na medida em que difunde um ensino centrado e organizado em torno da figura do professor. As lições dos alunos são seguidas com disciplina e atenção, direcionadas pelo mestre-escola.

Aos poucos, esse tipo de teoria foi caindo em descrédito devido às dificuldades de acesso de todos à escola e também em função do fracasso escolar, mesmo para os que conseguiam o seu desiderato que era ingressar na instituição escolar.

A pedagogia nova surge como uma tentativa de eqüacionar os problemas gerados pela pedagogia tradicional. Nascida das experiências de educação com portadores de necessidades especiais (Decroly e Montessori), foi estendida a seguir como uma proposta para o âmbito escolar como um todo. Concebe assim o marginalizado não como um ignorante, mas como alguém que foi rejeitado pelo sistema escolar e pela sociedade. À escola cabe a função de integrar o aluno ao grupo, tomando-o como centro do processo ensino-aprendizagem, desenvolvendo uma metodologia com atividades de cunho bio-psíquico e que o estimulem à participação em um ambiente alegre e criativo, portanto.

Como a pedagogia nova precisava de um ambiente rico para a sua implantação ficou restrita, na prática, a algumas experiências apenas. No plano teórico, conquistou os futuros mestres pelas suas propostas atraentes nos cursos de formação de professores. Entretanto, devido a falta de condições operacionais adeqüadas (oficinas de trabalho, bibliotecas compostas com muitos e bons livros, hortas escolares, amplo espaço para atividades lúdicas, etc.), a proposta do movimento da escola nova, ao fim de tudo, colabora para rebaixar o nível da aprendizagem e do ensino, pois retirou a centralidade do processo no professor que sabia e jogou para o aluno, que não tinha condições de adquirir o saber.

A pedagogia tecnicista surge a partir da implantação dos acordos MEC-USAID, protagonizados pelo regime militar, que perdurou no Brasil de 1964-85, como alternativa da classe dominante à extensão das idéias da escola nova para o âmbito popular, através das experiências propostas por Freinet e Paulo Freire. Propõe um esvaziamento dos ideais da Escola Nova Popular a partir da ênfase ao aspecto técnico do processo de ensino, que já era implícito na proposta escolanovista, valorizando a objetivação do processo pedagógico através da adoção dos critérios empresariais da neutralidade, eficiência e produtividade. Considera marginal o indivíduo incompetente, ou seja, aquele que não obteve um adequado preparo técnico-instrumental.

As teorias crítico-reprodutivistas, bastante em voga na década de 70, não chegam a apresentar uma proposta para a educação, limitando-se a denunciar a reprodução das mazelas sociais no interior dos processos de ensino. A escola é um aparelho difusor da ideologia dominante para Althusser; desencadeia uma violência simbólica segundo Bordieu e Passeron; é uma escola dualista, de acordo com Baudelot e Establet, ao ministrar um tipo de ensino privilegiado nas escolas da rede secundária-superior (S.S), acessível apenas às elites e um ensino de segunda ordem, empobrecido, na rede primária-profissional (P.P.) para as classes subalternas.

A proposição de Saviani aceita, em parte, o diagnóstico das teorias crítico-reprodutivistas, as quais denunciam os mecanismos de dominação da sociedade pelas elites dirigentes utilizando-se do aparelho escolar como reprodutor de sua ideologia. De outra parte, reconhece no pensamento do intelectual marxista Antonio Gramsci a possibilidade da escola propor uma ideologia que seja contra-hegemônica. Esta se instaura a partir do momento que educandos e educadores aproveitam os espaços ou lacunas permitidas pelo sistema e contribuem para a superação da marginalidade social articulando uma escola que trabalha os conteúdos a partir dos interesses dos dominados. Tanto o poder ilusório das teorias não-críticas como a impotência das teorias crítico-reprodutivistas são superados a partir da síntese dialética que coloca a capacidade de luta e transformação na mão dos educadores. Fica descoberto assim, no seio do processo educativo, um poder que é real, embora limitado. Este poder se desvela na medida em que se capta a tarefa específica da educação, inserida no contraditório da sociedade capitalista.

Atualmente as teorias da educação continuam a avançar em direção à superação da própria filosofia dialética como base teórica por excelência da educação, principalmente em função da crise do socialismo e da própria noção da história como um agregado de estágios ou modos de produção que se sucedem progressivamente. Somos testemunhas ao final do milênio do surgimento de diversos fenômenos que aceleram a crise do projeto da modernidade, como as críticas da pós-modernidade endereçadas à noção de um progresso histórico, a concepção de pós-história, dos novos movimentos sociais – que pluralizam a noção da contradição de classes ancorada unicamente no conflito entre operariado e a elite burguesa – a reengenharia do capitalismo travestido de neoliberalismo em função da crise do Estado do Bem-Estar-Social, o multiculturalismo e a globalização dos mercados. Estes fenômenos empíricos extrapolam a base da crítica de Saviani, pois o marxismo é uma filosofia alicerçada ainda no paradigma da razão esclarecida da modernidade. Isso significa que o problema da marginalidade hoje não se deve unicamente a fatores de classe, mas a uma ampla gama de variáveis concorrentes intra e extra-escolares que influenciam a sua dinâmica. É importante que todas essas novas temáticas sejam discutidas nas escolas para que o professor não sinta-se, ele próprio, marginalizado pelas novas políticas globais, que causam impacto diariamente em sua prática docente. Por isso, há uma necessidade de redimensionar o futuro da filosofia da práxis, levando em conta esses novos desafios, para que as categorias marxistas não percam seu nexo histórico-causal, o que, aliás, apenas assegura a sua própria vigência e, neste sentido, pode oferecer relevantes, reais e efetivas contribuições à formação dos educadores.

Bibliografia

  • SAVIANI, Dermeval. A filosofia da educação e o problema da inovação em educação. in: GARCIA, W. E. (org.) Inovação educacional no Brasil. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980.
  • ________________. Escola e democracia. Polêmicas do nosso tempo. 27ª ed. Campinas-SP: Editora Autores Associados, 1993.
  • ________________. (et al.) Filosofia da educação brasileira. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.

Autor: Neiva Viera Trevisan

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